terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Reproduzo: Caso BBB: O estupro da sensatez - por Gabriel Priolli

Reproduzo de http://observatoriodaimprensa.com.br/news/view/o_estupro_da_sensatez

Recomendo a leitura e a reflexão, principalmente se para você as 12 edições do BBB fazem parte da sua programação de férias...É sério!


CASO BBB

O estupro da sensatez

Por Gabriel Priolli em 24/01/2012 na edição 678
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O episódio do suposto estupro no programa Big Brother Brasil, da TV Globo, indica bem o nível de radicalização que aguarda o debate da questão complexa, essencial para o aperfeiçoamento da democracia no país, que é o marco regulatório da mídia eletrônica. Em circunstâncias que são, até o momento, totalmente duvidosas, a única certeza que se pode ter nesse caso é que a ponderação e o bom senso vêm sendo, mais que abusados, violentados.
BBB está em sua 12ª edição. Desde a primeira, o programa acena com a promessa de satisfação sexual da audiência, pela variante do voyeurismo. Confina numa casa homens e mulheres jovens, no fulgor da produção hormonal, por mais de três meses, e convida o público a acompanhar seus movimentos, captados por dezenas de câmeras. “Vamos dar uma espiadinha” é a sugestão permanente e um buraco de fechadura é sua imagem-síntese. Ou seja: espie o tempo todo, sorrateiramente, do outro lado da tela, e quem sabe você veja alguma coisa bem picante. A coisa como ela é.
Como outras promessas da televisão, entretanto, a explicitação sexual jamais se cumpre no BBB. Muito se beija, muito se pega, mas nada vai além disso. Nada que se veja. Nem mesmo nas transmissões fechadas, em pay-per-view, que o público da TV por assinatura pode adquirir, como faz com canais eróticos ou “adultos”. Regras rígidas impostas aos participantes e controle permanente sobre o áudio e o vídeo do programa asseguram que a audiência não será surpreendida com mais sexo do que aquele encontrável em qualquer telenovela das 21 horas. É comum, aliás, que a teledramaturgia traga cenas bem mais apimentadas do que o BBB, sem a barreira protetora de nenhum “edredon”.
Busca do equilíbrio
Em todas as edições, os telespectadores viram casais se enfurnando sob os lençóis, alcoolizados ou não, para praticar não exatamente o sono reparador. Movimentos sugestivos do edredon fizeram ferver a imaginação de milhões, nessas 12 edições. Em nenhum momento, porém, a moralidade foi agredida ou a família brasileira ultrajada – exceto, talvez, pela boçalidade da maioria dos “brothers” e “sisters”, recrutados mais pelos atributos físicos do que pelas possíveis virtudes intelectuais.
Eis que, na madrugada perdida de um domingo do BBB-12, telespectadores do pay-per-view interessados na atividade sexual alheia, mas vigilantes da moral e dos bons costumes, identificam movimentação suspeita de um casal no leito. Como a moça parece desacordada, presumem que está sendo abusada pelo parceiro. E imediatamente correm às redes sociais, alertando a Nação para o abominável. Estupro! Diante de câmeras de TV!
A partir daí, o que rola é uma bola de neve de exagero, equívocos e oportunismos variados. O assunto explode, no país e fora dele. A polícia vai à TV Globo investigar. A emissora repele a hipótese do estupro, mas cede ao clamor público e expulsa o rapaz, que protesta inocência. A moça supostamente abusada nega que algo não consentido tenha lhe acontecido. Nenhuma evidência material do crime aparece. Mas nada disso detém a marcha da insensatez. Ministério Público, secretários e ministros do governo federal, agências reguladoras, ONGs feministas, defensores dos direitos humanos e personalidades se envolvem. O mundo ameaça cair. Quando estas linhas são escritas, já se pede que a concessão da TV Globo seja cassada. E a audiência do BBB aumenta em 80%.
Enquanto isso, dormita na obscuridade o assunto que, de fato, merecia mobilizar a opinião pública: a renovação das leis de radiodifusão. Se os telespectadores não aceitam que determinados limites éticos sejam ultrapassados, não seria conveniente discutir tais limites em debate democrático e normatizá-los no foro adequado – o Congresso Nacional? Não ganharíamos fazendo o que muitas nações mais desenvolvidas fizeram antes de nós, para equilibrar interesses empresariais, liberdade de expressão e interesse público no território midiático? Não conseguiríamos evitar, a priori, que acontecessem episódios como o desse estupro que um não praticou, outra não sofreu, mas tantos acreditam ter visto?
Debate desvairado
O debate sobre a regulação da mídia eletrônica vai se travar entre nós, mais dia, menos dia, por indispensável. Por imposição da responsabilidade. Conviria que o governo fosse mais ágil, ou resoluto, e desse à luz a proposta de marco regulatório que diz ter em gestação, para conhecermos os parâmetros da discussão.
Empresas, Estado, grupos de pressão e a opinião pública haverão de dialogar. Algo decorrerá da polêmica, ainda que seja a manutenção do status quo, a mudança zero. Mas para que o resultado seja mais efetivo, para que tenhamos um instrumento capaz de assegurar o desenvolvimento da mídia, com plena liberdade, e resguardar ao mesmo tempo a sociedade dos eventuais excessos dessa mídia, não seria adequado que o debate fosse o mais sereno, desarmado e profundo possível?
Considerado o desvario observado até agora nesse escândalo, a desproporção absurda entre um factoide ínfimo e suas repercussões astronômicas, não será um debate. Será uma guerra.
***
[Gabriel Priolli, jornalista e produtor de televisão, é presidente de honra da Associação Brasileira de Televisão Universitária e diretor de conteúdo da Fabrika Filmes]

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

STJ: Limites ao direito de não saber


O direito de não saber, até mesmo quando expresso pelo paciente, comporta exceções quando conflita com o interesse público, sendo relevante o caso julgado pelo STJ[1] em que um cidadão acionou hospital por ter se sentido abalado ao receber notícia (resultado de exame de modo sigiloso e correto) de era portador do vírus HIV sem ter solicitado. A turma, por maioria, entendeu que o cidadão não teria “o direito subjetivo de não saber que é soropositivo, pois configuraria indevida sobreposição de um direito individual (que, em si não se sustenta, tal como demonstrado) sobre o interesse público, o que, data maxima venia, não se afigura escorreito”, entendendo o voto divergente que “trata-se de indevida invasão na esfera privada do paciente, investigação abusiva da vida alheia, conduta negligente que viola a intimidade, sendo a responsabilidade do hospital objetiva pelos atos de seus prepostos”. 

Segue abaixo a ementa do acórdão e as razões do voto vencido. Muito interessante e acredito que deverá figurar como um leading case para a matéria.

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS DECORRENTES DA REALIZAÇÃO DE EXAME DE HIV NÃO SOLICITADO, POR MEIO DO QUAL O PACIENTE OBTEVE A INFORMAÇÃO DE SER SOROPOSITIVO - VIOLAÇÃO AO DIREITO À INTIMIDADE - NÃO OCORRÊNCIA -  INFORMAÇÃO CORRETA E SIGILOSA SOBRE SEU ESTADO DE SAÚDE - FATO QUE PROPORCIONA AO PACIENTE A PROTEÇÃO A UM DIREITO MAIOR, SOB O ENFOQUE INDIVIDUAL E PÚBLICO - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
I - O direito à intimidade, não é absoluto, aliás, como todo e qualquer direito individual. Na verdade, é de se admitir, excepcionalmente, a tangibilidade ao direito à intimidade, em hipóteses em que esta se revele necessária à preservação de um direito maior, seja sob o prisma individual, seja sob o enfoque do interesse público. Tal exame, é certo, não prescinde, em hipótese alguma, da adoção do princípio da dignidade da pessoa humana, como princípio basilar e norteador do Estado Democrático de Direito, e da razoabilidade, como critério axiológico;
II - Sob o prisma individual, o direito de o indivíduo não saber que é portador do vírus HIV (caso se entenda que este seja um direito seu, decorrente da sua intimidade), sucumbe, é suplantado por um direito maior, qual seja, o direito à vida, o direito à vida com mais saúde, o direito à vida mais longeva e saudável;
III - Mesmo que o indivíduo não tenha interesse ou não queira ter conhecimento sobre a enfermidade que lhe acomete (seja qual for a razão), a informação correta e sigilosa sobre seu estado de saúde dada pelo Hospital ou Laboratório, ainda que de forma involuntária, tal como ocorrera na hipótese dos autos, não tem o condão de afrontar sua intimidade, na medida em que lhe proporciona a proteção a um direito maior;
IV - Não se afigura permitido, tão-pouco razoável que o indivíduo, com o desiderato inequívoco de resguardar sua saúde, após recorrer ao seu médico, que lhe determinou a realização de uma série de exames, vir à juízo aduzir justamente que tinha o direito de não saber que é portador de determinada doença, ainda que o conhecimento desta tenha se dado de forma involuntária. Tal proceder aproxima-se, em muito, da defesa em juízo da própria torpeza, não merecendo, por isso, guarida do Poder Judiciário;
V - No caso dos autos, o exame efetuado pelo Hospital não contém equívoco, o que permite concluir que o abalo psíquico suportado pelo ora recorrente não decorre da conduta do Hospital, mas sim do fato de o recorrente ser portador do vírus HIV, no que o Hospital-recorrido, é certo, não possui qualquer responsabilidade;
VI - Sob o enfoque do interesse público, assinala-se que a opção de o paciente se submeter ou não a um tratamento de combate ao vírus HIV, que, ressalte-se, somente se tornou possível e, certamente, mais eficaz graças ao conhecimento da doença, dado por ato involuntário do Hospital, é de seu exclusivo arbítrio. Entretanto, o comportamento destinado a omitir-se sobre o conhecimento da doença, que, em última análise, gera condutas igualmente omissivas quanto à prevenção e disseminação do vírus HIV, vai de encontro aos anseios sociais;
VII - Num momento em que o Poder Público, por meio de exaustivas campanhas de saúde, incentiva a feitura do exame anti HIV como uma das principais formas de prevenção e controle da disseminação do vírus HIV, tem-se que o comando emanado desta augusta Corte, de repercussão e abrangência nacional, no sentido de que o cidadão teria o direito subjetivo de não saber que é soropositivo, configuraria indevida sobreposição de um direito individual (que, em si não se sustenta, tal como demonstrado) sobre o interesse público, o que, data maxima venia, não se afigura escorreito;
VII - Recurso Especial improvido.
(REsp 1195995/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/03/2011, DJe 06/04/2011)

(VOTO VENCIDO) (MIN. NANCY ANDRIGHI)
     É possível a condenação de hospital ao pagamento de indenização por dano moral a paciente na hipótese de equívoco cometido por preposto do hospital que realizou exame diverso do autorizado, com a consequente descoberta e comunicação de ser o paciente portador do vírus HIV, porque, ainda que a informação não tenha sido divulgada a terceiros, trata-se de indevida invasão na esfera privada do paciente, investigação abusiva da vida alheia, conduta negligente que viola a intimidade, sendo a responsabilidade do hospital objetiva pelos atos de seus prepostos.



[1] REsp 1195995/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/03/2011, DJe 06/04/2011.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Estou farto do jurista copilador

Estou farto do jurista copilador

Amigos, acessem e leiam o desabafo do magistrado.

Judicialização da saúde - STJ

A STJ começou o ano noticiando a judicialização da saúde. Uma SS foi indeferida por entender como competente o STF para o caso.

No mérito, a decisão originária versa sobre prótese de joelho e ainda internação domiciliar.

Eis o extrato da notícia:
Fonte: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=104340


02/01/2012 - 08h23
DECISÃO
Negado recurso de município paulista contra obrigação de pagar próteses de R$ 200 mil a paciente
Cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) analisar pedido de suspensão de segurança que trate, ao mesmo tempo, de matéria constitucional e infraconstitucional. Por isso, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Ari Pargendler, não conheceu do pedido feito pelo município de Santo André (SP), para suspender liminar em mandado de segurança que determina o pagamento de próteses a um paciente com artrite reumatóide, no valor de R$ 200 mil.

Pargendler esclareceu que a competência da presidência para examinar pedidos de suspensão tem nexo de subordinação com a competência do próprio STJ. Isto é, o fundamento do pedido de suspensão deve envolver questão federal de natureza infraconstitucional. Na hipótese, o ministro identificou fundamento constitucional (artigos 6º, 196 e 198 da CF).

O embate jurídico teve início quando o paciente, morador de Santo André, impetrou mandado de segurança para ter garantido o direito a tratamento de saúde. Ele apresentou relatórios médicos sobre o estado de saúde do paciente, que orientavam para a imediata adoção dos tratamentos buscados (cirúrgico, medicamentoso e internação domiciliar).

A juíza de primeiro grau concedeu liminar para que, no prazo de 10 dias, o município realizasse cirurgia para colocação de duas próteses e, no prazo de três dias, a contar da apresentação de cada receita, fossem fornecidos os medicamentos prescritos. Determinou, também, a manutenção do programa de internação domiciliar. Em caso de descumprimento, o município fica obrigado ao pagamento de multa diária de R$ 500.

O município recorreu da decisão, primeiro ao Tribunal de Justiça de São Paulo; posteriormente, ao STJ. Alega que a liminar traz risco de lesão à ordem, economia e saúde públicas. Diz que o pagamento das próteses, que somariam R$ 200 mil, ultrapassa as possibilidades orçamentárias do município. Afirma que, caso cumpra a ordem judicial, terá de deixar de aplicar recursos em áreas fundamentais dos serviços de saúde pública destinados ao atendimento de milhares de pessoas.