3. DIREITOS BÁSICOS
DO CONSUMIDOR
Os
direitos dos consumidores não são apenas aqueles que se encontram contidos nos
art. 6º e 7º do CDC, aqueles são os chamados direitos básicos ou fundamentais.
Para se ter uma noção dos direitos do consumidor é preciso que se faça uma
interpretação conforme a Constituição da República e se mergulhe em sua
principiologia, o que tentamos fazer linhas atrás. Assim, antes do operador do
direito se debruçar sobre os art. 6º e 7º do CDC é condição sine qua non
que tenha em mente estes pressupostos.
3.1. Proteção à
vida, saúde e segurança
É
dever do Estado proteger efetivamente o consumidor (art. 4º, II),
principalmente no que tange ao bem maior da pessoa humana que é a vida, seguido
pela sua incolumidade física.
Neste
sentido o arsenal estatal deve estar apto para expurgar do mercado de consumo
os produtos e serviços que não oferecem a segurança necessária ao consumidor,
podendo, ainda que potencialmente, trazer riscos de dano ao mesmo.
Trabalho
exemplar realiza o INMETRO na análise de produtos e serviços, recomendando
adequações e sugerindo a retirada do mercado quando eventuais “problemas” não
são sanados.
Este
dever (decorrente do direito à proteção) não é apenas estatal, pertence também
aos fornecedores, pois eles não devem medir esforços para colocar no mercado de
consumo produtos e serviços seguros e eficientes. E quando há a percepção de
que um produto já colocado no mercado não oferece a segurança que dele se
espera deve o fornecedor diligenciar no sentido de sanar o problema como, por
exemplo, no caso de chamados recalls[1].
3.2. Educação para
consumo
Em virtude da posição vulnerável do consumidor face
às grandes corporações que investem maciçamente em técnicas de comercialização
e divulgação de seus produtos e serviços (marketing) o legislador cuidou de
estabelecer uma regra que determinasse a sua conscientização, numa clara
proteção ao consumismo exacerbado e inconseqüente, e ainda assegurou a
liberdade de escolha e igualdade – ambas de fundamento constitucional (art. 6º,
II).
Neste
sentido é importante registrar o trabalho realizado pelo DPDC/SDE/MJ
(Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito
Econômico do Ministério da Justiça) e os projetos de educação para o consumo
aprovados junto ao CFDD (Conselho Gestor do Fundo Federal de Direitos Difusos),
com alguns exemplos, inclusive em Recife, como o “Saúde em Destaque” e “a
Voz do Cidadão”, ambos da Aduseps[2]
e patrocinados pelo FDD.
3.3. Direito à
informação
O
direito à informação é um dos pilares do tripé que sustenta todo o harmônico
sistema de proteção e defesa do consumidor. Para Rizzatto[3]
é ele principio fundamental do CDC.
A
importância da informação para o consumidor é de uma grandiosidade tremenda,
pois apenas diante do conhecimento preciso acerca de produtos e serviços poderá
o consumidor tomar uma decisão acertada, podendo inclusive deixar de consumir
um produto ou serviço em face de alguma característica específica do mesmo, que,
casuisticamente, para outro consumidor pouco importaria.
Sendo
o direito à informação um pilar do CDC, como já nos referimos, ele está
inserido não só no art. 6º, III, mas também nos artigos 31, 46 e 52.
No
art. 6º, III a norma disciplina o direito à informação sobre os produtos e
serviços colocados no mercado de consumo, afirmando que esta deve ser adequada
e clara. A adequação da informação deve
ser compreendida como sendo aquela que seja apropriada para o produto ou
serviço conforme as suas próprias características particulares.
Digamos,
por exemplo, que alguém adquira um ferro elétrico numa promoção. Ao chegar em
casa e abrir a caixa do produto constata que, da leitura manual, o produto só
funciona com tensão de 110 V, sendo a tensão em Pernambuco, onde foi comprado o
produto, de 220 V. Ora, se a informação estivesse contida no exterior da caixa
o consumidor não teria sequer adquirido o bem, pois para sua utilização teria
que comprar um transformador.
Logo,
este tipo de informação é essencial para que o consumidor exerça seu poder de
escolha e possa consumir conscientemente.
Quanto
à clareza da informação o legislador preocupou-se como a linguagem a ser
utilizada, que deve ser acessível ao consumidor, devendo-se evitar uma
linguagem excessivamente técnica. Como por exemplo, fazer constar no rótulo de
um produto que ele é ignígeno, ao invés de inflamável (são sinônimos, mas a
palavra ignígeno é pouco usual e o cidadão médio desconhece o significado da
palavra).
O
terceiro componente do inciso III do art. 6º é a especificação correta de
quantidade, características, composição, qualidade e preço, ou seja, à clareza
e adequação da informação deve somar-se a especificação correta dos elementos
essenciais do produto ou serviço.
O
quarto e último componente do comando normativo diz respeito aos riscos que os
produtos ou serviços podem apresentar, de modo a advertir o consumidor para os
cuidados necessários à sua utilização ou fruição.
Assim,
o xampu para crianças (característica específica) que irrite os olhos deve
constar tal advertência ostensivamente, como também os produtos inflamáveis, os
que não podem ser expostos ao calor, etc.
Adiante
examinaremos os artigos 31, 46 e 52, como também a responsabilidade civil por
violação do dever de informar.
3.4. Proteção
contra práticas desleais
O
direito de proteção contra práticas comerciais desleais decorre do princípio da
boa-fé, onde as partes ao contratar o fazem sem nenhuma intenção de lesar a
outra, seja intencionalmente (boa-fé subjetiva), seja por desconhecimento
(boa-fé objetiva).
A
norma programática e principiológica do art. 6.º, IV do CDC é esmiuçada em
capítulos posteriores quando o código trata das práticas comerciais e cláusulas
abusivas.
Neste
momento é preciso compreender que o consumidor tem direito de não ser
ludibriado por “jogadas” de marketing (art. 37) ou por imposições de situações
desagradáveis de que o exponham, fazendo-o adquirir produtos ou serviços (art.
39).
E
ainda tem direito de proteção contra cláusulas abusivas ou impostas (art. 51),
sendo esta proteção tal que as cláusulas abusivas são nulas de pleno direito e
para sua declaração o juiz pode (e deve) agir de ofício ainda que não instado
pela parte, e em qualquer grau jurisdição, dada a natureza de ordem pública da
norma.
3.5. Modificação de
cláusulas
Este
direito é complemento ao direito de proteção contra cláusulas abusivas, pois
muitas vezes o consumidor deseja, quer e precisa contratar, ou continuar
contratando (como nos casos de contratos de trato sucessivo e ou de longa
duração), e a simples declaração/reconhecimento da abusividade de uma cláusula
não poria fim ao problema, sendo necessário que o magistrado pudesse intervir
no contrato, de modo a modificar as cláusulas que estivessem desproporcionais
ao proveito econômico do consumidor ou as revisasse em caso de ônus excessivo.
Tal fato é hoje causa de resolução de contrato, conforme o art. 478[4]
do CC/2002, numa nítida inspiração do princípio consumerista para as relações
jurídicas cíveis.
3.6. Prevenção e
reparação de danos
O
consumidor em face de sua posição vulnerável tem o direito não só à reparação
dos danos que eventualmente lhe sejam causados, como também, e principalmente,
de não sofrer qualquer dano por causa de produtos ou serviços ofertados no
mercado de consumo.
Assim,
tal regra traz implicitamente uma outra que permite o manuseio da
instrumentalidade do processo para efetivamente prevenir um dano – cautelar ou
antecipadamente no feito – de modo que o consumidor não sofra uma lesão no seu
patrimônio (econômico ou moral).
Ou
seja, o direito material contido no art. 6º, VI permite que o julgador, ao
decidir, atue preventivamente evitando que a lesão ocorra e não deixando que a
mesma ocorra para que o consumidor seja, num posterior momento, indenizado.
Na
verdade, há clara intenção de adaptação do processo civil para a relação de
consumo, dando-lhe mais dinamismo[5].
3.7. Acesso à
justiça
O
direito de acesso à justiça parece algo muito claro e, numa rápida análise,
passariam despercebidas as dificuldades do consumidor em ingressar em juízo.
Judicialmente
o consumidor precisa conhecer os seus direitos (direitos à educação) para, num
segundo momento, reconhecer que está sendo lesado. Como a nossa debutante Lei
ainda é pouco conhecida de grande parcela de nossa população, esforços não
devem ser medidos para que os consumidores conheçam os seus direitos básicos,
inclusive o de acesso à justiça.
Superada
está primeira etapa (reconhecimento do direito) tem-se a questão da
tempestividade do pleito (arts. 26 e 27), pois não aprendemos a exercer nossos
direitos (cidadania) e quando o fazemos podemos nos equivocar.
Realizando uma abordagem constitucional
encontra-remos no caput do art. 5.º da Constituição o princípio da
igualdade e em seu inciso XXXV a garantia de acesso ao Poder Judiciário, o que,
numa interpretação harmônica, estabelece que a todos é garantido o acesso ao
Poder Judiciário.
Contudo ao se tentar constatar empiricamente esta
garantia constitucional (de aplicação imediata, diga-se an passant – segundo o parágrafo primeiro do art. LXXVII da CF/88)
verifica-se que nem todos os cidadãos têm condições de exercer este direito.
Estudos têm demonstrado que os principais “clientes”
do Poder Judiciário são as grandes corporações e o próprio Estado (lato sensu).
Assim, estes litigantes contumazes já têm uma grande vantagem (expertise)
sobre os indivíduos que não estão acostumados ao litígio, seja no tocante ao
comportamento em juízo, seja em relação ao reconhecimento dos seus direitos.
Pessoas comuns não têm condições materiais de dispor
de seu tempo para litigar e geralmente só procuram o judiciário quando não mais
podem suportar os prejuízos advindos de sua inércia (que serão absurdamente
maiores do que o tempo dedicado à ação).
Em primeiro lugar o cidadão comum não tem plena
consciência do “seu direito”, ele supõe que teve seu direito violado e procura
auxílio. No mais das vezes, encontrar este auxílio é uma verdadeira via
crucis, pois o aparelho do Estado não está geralmente apto à prestar uma
assistência jurídica imediata.
Muitas vezes os mecanismos e instrumentos
pro-cessuais existem e simplesmente não são utilizados, seja pelos advogados ao
postular, seja pelos magistrados ao decidir. E quando isto acontece (o que se
dá - infelizmente - na maioria dos casos) tem-se como resultado a inefetividade
do processo e como conseqüência uma verdadeira descrença do cidadão comum na
“justiça”.
Assim, o simples acesso ao Poder Judiciário não
significa um efetivo acesso à justiça por parte do cidadão comum, então, para
que o processo cumpra sua finalidade precípua, é preciso que operador do
direito esteja consciente dos instrumentos que poderá utilizar, sendo o Código
de Defesa do Consumidor um destes poderosos instrumentos.
3.8. Serviços
públicos de qualidade
Este
direito é na verdade um reflexo nítido e claro dos direitos fundamentais de
pessoa humana, dá guarida e proteção ao consumo dos serviços essenciais que são
prestados pelo Estado, determinando que os mesmos devem ser, além de adequados,
eficazes, como também contínuos, como complementa a norma do art. 22.
A
acepção da palavra adequação deve ser a da ótica do consumidor, ou seja, de
conformidade com as necessidades do mesmo. Já o vocábulo eficaz deve ser
interpretado, a nosso ver, de maneira ordinária, no sentido de “dar bons
resultados”.
Em
suma, o serviço público adequado e eficaz é aquele serviço que dá bons
resultados, conforme as necessidades do consumidor. Para usar a expressão
consagrada por Cláudia Lima Marques que atenda a sua legítima expectativa[6].