sexta-feira, 19 de setembro de 2014

O princípio da equivalência material dos contratos: lições do professor Paulo Lôbo

Estudando para discutir um negócio jurídico firmado entre partes desiguais percebi uma nítida colisão entre a autonomia privada negocial e direitos fundamentais. O negócio jurídico fora firmado entre um Banco (Demandante) e pessoas físicas (Demandadas).

Busquei as lições do professor Paulo Lôbo e verifiquei que fora ferido o princípio da equivalência material:


O princípio da equivalência material busca realizar e preservar o equilíbrio real de direitos e deveres no contrato, antes, durante e após sua execução, para harmonização dos interesses. Esse princípio preserva a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes, pouco importando que as mudanças de circunstâncias possam ser previsíveis. O que interessa não é mais a exigência cega de cumprimento do contrato, da forma como foi assinado ou celebrado, mas se sua execução não acarreta vantagem excessiva para uma das partes e desvantagem excessiva para outra, aferível objetivamente, segundo as regras da experiência ordinária e da razoabilidade. (LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. São Paulo: Saraiva, 2011, p.70) – destaques nossos.

Para que o princípio da equivalência material seja aplicado três requisitos devem ser observados, quais sejam:

Em primeiro lugar, a existência de uma desproporção manifesta entre os direitos e deveres de cada parte. Em segundo lugar, é necessário que haja desigualdade de poderes negociais, ou seja, um poder negocial dominante e a contrapartida do poder negocial vulnerável, que exclui sua incidência nos contratos paritários, já que nestes há presunção da equivalência. Em terceiro lugar, que as situações de vulnerabilidade da parte contratante sejam reconhecidas pelo direito. (LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 72) – destaques nossos.

 A consequência da inobservância é a seguinte:

A falta de equivalência material conduz a dois tipos de consequências: de um lado, a sanção de nulidade da parte ou da totalidade do contrato, por violação de norma cogente (o princípio jurídico da equivalência material); de outro lado, a interpretação do contrato em conformidade com o princípio, quando for possível a conservação do contrato ou da parte dele, que sejam fontes do equilíbrio. (LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 72) – destaques nossos.

Assim, não pode um negócio assim entabulado prevalecer e produzir efeitos, sendo necessária a suspensão dos seus efeitos, posto que nulificado por violar norma cogente.

Destaque-se que o Enunciado nº 22 da 1ª Jornada de Direito Civil consagrou o princípio da equivalência material ao asseverar que:

Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas.

Neste particular, o contrato celebrado (no caso de estudo) viola de morte o art. 421 do Código Civil, pois não cumpre a sua função social, tendo o Enunciado 431 da V Jornada de Direito Civil determinado:

A violação do art. 421 conduz à invalidade ou à ineficácia do contrato ou de cláusulas contratuais.

Em verdade, está diante de uma colisão entre a autonomia privada negocial e direitos fundamentais (Art. 3º, III e art. 170 da CF/88). Sobre o tema afirma Paulo Lôbo:

A autonomia privada negocial não tem natureza de direito fundamental, posto que não constitucionalizada, e, em nenhuma hipótese, os princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social podem ser sacrificados, porque são princípios que estruturam toda a ordem jurídica brasileira. Havendo colisão, é descabida a ponderação de valores, para se concluir pelo favorecimento do princípio da autonomia privada negocial, que tem natureza meramente infraconstitucional. (LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 52) – destaques nossos.

E continua:

Assim sendo na ordem jurídica brasileira, decisões judiciais orientadas pela lógica do mercado violam frontalmente os princípios constitucionais fundamentais. (LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 52)

Violados frontalmente os princípios constitucionais fundamentais (Art. 1º, III, Art. 3º, I e Art. 170 da CF/88) em negócio desproporcional e desequilibrado, notadamente diante da mudança de paradigma da “autonomia individual inviolável para a autonomia controlada pelo Poder Judiciário”, a qual, por sua vez, “está bem retratada nas normas fundamentais da Constituição que veiculam os princípios da solidariedade (art. 3º, I) e da justiça social (art. 170).” (LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 195)

Assim, o poder que detém o magistrado para a revisão dos contratos é amplo e deve ser exercido no caso concreto. Consoante Paul Lôbo:

 No Código Civil de 2002 ampliou-se, consideravelmente, o poder do juiz para revisar o contrato, de modo a que este não seja instrumento de iniqüidade. Ao juiz é dada a moldura, mas o conteúdo deve ser preenchido na decisão de cada caso concreto, valendo-se de princípios, conceitos indeterminados e cláusulas gerais. Destaquem-se, nessa dimensão, os arts. 157 (lesão) [...]. (LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 193)


---> Fica o texto para reflexão.

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