terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

DANO MORAL E ABUSIVIDADE DE CLÁUSULAS NOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE SEGUNDO O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ


Prezados,

Disponibilizo o capítulo de livro recém publicado, fruto de apresentação de artigo no XIII CONPEDI.

Eis o link:

http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=de10a91130e7d87f

Aguardo comentários!

Direitos básicos

Prezados alunos de Direito do Consumidor,

Segue texto de apoio sobre os direito básicos dos consumidores, extraído do meu livro de 2005 (CALADO, Vinicius de Negreiros. Manual Básico de Direito do Consumidor. Recife: IPEDIC, 2005. p. 23-31).



3. DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR[1]


Os direitos dos consumidores não são apenas aqueles que se encontram contidos nos art. 6º e 7º do CDC, aqueles são os chamados direitos básicos ou fundamentais. Para se ter uma noção dos direitos do consumidor é preciso que se faça uma interpretação conforme a Constituição da República e se mergulhe em sua principiologia, o que tentamos fazer linhas atrás. Assim, antes do operador do direito se debruçar sobre os art. 6º e 7º do CDC é condição sine qua non que tenha em mente estes pressupostos.

3.1. Proteção à vida, saúde e segurança

É dever do Estado proteger efetivamente o consumidor (art. 4º, II), principalmente no que tange ao bem maior da pessoa humana que é a vida, seguido pela sua incolumidade física.
Neste sentido o arsenal estatal deve estar apto para expurgar do mercado de consumo os produtos e serviços que não oferecem a segurança necessária ao consumidor, podendo, ainda que potencialmente, trazer riscos de dano ao mesmo.
Trabalho exemplar realiza o INMETRO na análise de produtos e serviços, recomendando adequações e sugerindo a retirada do mercado quando eventuais “problemas” não são sanados.
Este dever (decorrente do direito à proteção) não é apenas estatal, pertence também aos fornecedores, pois eles não devem medir esforços para colocar no mercado de consumo produtos e serviços seguros e eficientes. E quando há a percepção de que um produto já colocado no mercado não oferece a segurança que dele se espera deve o fornecedor diligenciar no sentido de sanar o problema como, por exemplo, no caso de chamados recalls[2].


3.2. Educação para consumo

Em virtude da posição vulnerável do consumidor face às grandes corporações que investem maciçamente em técnicas de comercialização e divulgação de seus produtos e serviços (marketing) o legislador cuidou de estabelecer uma regra que determinasse a sua conscientização, numa clara proteção ao consumismo exacerbado e inconseqüente, e ainda assegurou a liberdade de escolha e igualdade – ambas de fundamento constitucional (art. 6º, II).
Neste sentido é importante registrar o trabalho realizado pelo DPDC/SDE/MJ (Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça) e os projetos de educação para o consumo aprovados junto ao CFDD (Conselho Gestor do Fundo Federal de Direitos Difusos), com alguns exemplos, inclusive em Recife, como o “Saúde em Destaque” e “a Voz do Cidadão”, ambos da Aduseps[3] e patrocinados pelo FDD. 


3.3. Direito à informação

O direito à informação é um dos pilares do tripé que sustenta todo o harmônico sistema de proteção e defesa do consumidor. Para Rizzatto[4] é ele principio fundamental do CDC.
A importância da informação para o consumidor é de uma grandiosidade tremenda, pois apenas diante do conhecimento preciso acerca de produtos e serviços poderá o consumidor tomar uma decisão acertada, podendo inclusive deixar de consumir um produto ou serviço em face de alguma característica específica do mesmo, que, casuisticamente, para outro consumidor pouco importaria.
Sendo o direito à informação um pilar do CDC, como já nos referimos, ele está inserido não só no art. 6º, III, mas também nos artigos 31, 46 e 52.
No art. 6º, III a norma disciplina o direito à informação sobre os produtos e serviços colocados no mercado de consumo, afirmando que esta deve ser adequada e clara.  A adequação da informação deve ser compreendida como sendo aquela que seja apropriada para o produto ou serviço conforme as suas próprias características particulares.
Digamos, por exemplo, que alguém adquira um ferro elétrico numa promoção. Ao chegar em casa e abrir a caixa do produto constata que, da leitura manual, o produto só funciona com tensão de 110 V, sendo a tensão em Pernambuco, onde foi comprado o produto, de 220 V. Ora, se a informação estivesse contida no exterior da caixa o consumidor não teria sequer adquirido o bem, pois para sua utilização teria que comprar um transformador.
Logo, este tipo de informação é essencial para que o consumidor exerça seu poder de escolha e possa consumir conscientemente.
Quanto à clareza da informação o legislador preocupou-se como a linguagem a ser utilizada, que deve ser acessível ao consumidor, devendo-se evitar uma linguagem excessivamente técnica. Como por exemplo, fazer constar no rótulo de um produto que ele é ignígeno, ao invés de inflamável (são sinônimos, mas a palavra ignígeno é pouco usual e o cidadão médio desconhece o significado da palavra).
O terceiro componente do inciso III do art. 6º é a especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, ou seja, à clareza e adequação da informação deve somar-se a especificação correta dos elementos essenciais do produto ou serviço.
O quarto e último componente do comando normativo diz respeito aos riscos que os produtos ou serviços podem apresentar, de modo a advertir o consumidor para os cuidados necessários à sua utilização ou fruição.
Assim, o xampu para crianças (característica específica) que irrite os olhos deve constar tal advertência ostensivamente, como também os produtos inflamáveis, os que não podem ser expostos ao calor, etc.
Adiante examinaremos os artigos 31, 46 e 52, como também a responsabilidade civil por violação do dever de informar.


3.4. Proteção contra práticas desleais

O direito de proteção contra práticas comerciais desleais decorre do princípio da boa-fé, onde as partes ao contratar o fazem sem nenhuma intenção de lesar a outra, seja intencionalmente (boa-fé subjetiva), seja por desconhecimento (boa-fé objetiva).
A norma programática e principiológica do art. 6.º, IV do CDC é esmiuçada em capítulos posteriores quando o código trata das práticas comerciais e cláusulas abusivas.
Neste momento é preciso compreender que o consumidor tem direito de não ser ludibriado por “jogadas” de marketing (art. 37) ou por imposições de situações desagradáveis de que o exponham, fazendo-o adquirir produtos ou serviços (art. 39).
E ainda tem direito de proteção contra cláusulas abusivas ou impostas (art. 51), sendo esta proteção tal que as cláusulas abusivas são nulas de pleno direito e para sua declaração o juiz pode (e deve) agir de ofício ainda que não instado pela parte, e em qualquer grau jurisdição, dada a natureza de ordem pública da norma.


3.5. Modificação de cláusulas

Este direito é complemento ao direito de proteção contra cláusulas abusivas, pois muitas vezes o consumidor deseja, quer e precisa contratar, ou continuar contratando (como nos casos de contratos de trato sucessivo e ou de longa duração), e a simples declaração/reconhecimento da abusividade de uma cláusula não poria fim ao problema, sendo necessário que o magistrado pudesse intervir no contrato, de modo a modificar as cláusulas que estivessem desproporcionais ao proveito econômico do consumidor ou as revisasse em caso de ônus excessivo. Tal fato é hoje causa de resolução de contrato, conforme o art. 478[5] do CC/2002, numa nítida inspiração do princípio consumerista para as relações jurídicas cíveis.


3.6. Prevenção e reparação de danos

O consumidor em face de sua posição vulnerável tem o direito não só à reparação dos danos que eventualmente lhe sejam causados, como também, e principalmente, de não sofrer qualquer dano por causa de produtos ou serviços ofertados no mercado de consumo.
Assim, tal regra traz implicitamente uma outra que permite o manuseio da instrumentalidade do processo para efetivamente prevenir um dano – cautelar ou antecipadamente no feito – de modo que o consumidor não sofra uma lesão no seu patrimônio (econômico ou moral).

Ou seja, o direito material contido no art. 6º, VI permite que o julgador, ao decidir, atue preventivamente evitando que a lesão ocorra e não deixando que a mesma ocorra para que o consumidor seja, num posterior momento, indenizado.
Na verdade, há clara intenção de adaptação do processo civil para a relação de consumo, dando-lhe mais dinamismo[6].


3.7. Acesso à justiça

O direito de acesso à justiça parece algo muito claro e, numa rápida análise, passariam despercebidas as dificuldades do consumidor em ingressar em juízo.
Judicialmente o consumidor precisa conhecer os seus direitos (direitos à educação) para, num segundo momento, reconhecer que está sendo lesado. Como a nossa debutante Lei ainda é pouco conhecida de grande parcela de nossa população, esforços não devem ser medidos para que os consumidores conheçam os seus direitos básicos, inclusive o de acesso à justiça.
Superada está primeira etapa (reconhecimento do direito) tem-se a questão da tempestividade do pleito (arts. 26 e 27), pois não aprendemos a exercer nossos direitos (cidadania) e quando o fazemos podemos nos equivocar.
Realizando uma abordagem constitucional encontra-remos no caput do art. 5.º da Constituição o princípio da igualdade e em seu inciso XXXV a garantia de acesso ao Poder Judiciário, o que, numa interpretação harmônica, estabelece que a todos é garantido o acesso ao Poder Judiciário.
Contudo ao se tentar constatar empiricamente esta garantia constitucional (de aplicação imediata, diga-se an passant – segundo o parágrafo primeiro do art. LXXVII da CF/88) verifica-se que nem todos os cidadãos têm condições de exercer este direito.
Estudos têm demonstrado que os principais “clientes” do Poder Judiciário são as grandes corporações e o próprio Estado (lato sensu). Assim, estes litigantes contumazes já têm uma grande vantagem (expertise) sobre os indivíduos que não estão acostumados ao litígio, seja no tocante ao comportamento em juízo, seja em relação ao reconhecimento dos seus direitos.
Pessoas comuns não têm condições materiais de dispor de seu tempo para litigar e geralmente só procuram o judiciário quando não mais podem suportar os prejuízos advindos de sua inércia (que serão absurdamente maiores do que o tempo dedicado à ação).
Em primeiro lugar o cidadão comum não tem plena consciência do “seu direito”, ele supõe que teve seu direito violado e procura auxílio. No mais das vezes, encontrar este auxílio é uma verdadeira via crucis, pois o aparelho do Estado não está geralmente apto à prestar uma assistência jurídica imediata.
Muitas vezes os mecanismos e instrumentos processuais existem e simplesmente não são utilizados, seja pelos advogados ao postular, seja pelos magistrados ao decidir. E quando isto acontece (o que se dá - infelizmente - na maioria dos casos) tem-se como resultado a inefetividade do processo e como consequência uma verdadeira descrença do cidadão comum na “justiça”.
Assim, o simples acesso ao Poder Judiciário não significa um efetivo acesso à justiça por parte do cidadão comum, então, para que o processo cumpra sua finalidade precípua, é preciso que operador do direito esteja consciente dos instrumentos que poderá utilizar, sendo o Código de Defesa do Consumidor um destes poderosos instrumentos.

3.8. Serviços públicos de qualidade

Este direito é na verdade um reflexo nítido e claro dos direitos fundamentais de pessoa humana, dá guarida e proteção ao consumo dos serviços essenciais que são prestados pelo Estado, determinando que os mesmos devem ser, além de adequados, eficazes, como também contínuos, como complementa a norma do art. 22.
A acepção da palavra adequação deve ser a da ótica do consumidor, ou seja, de conformidade com as necessidades do mesmo. Já o vocábulo eficaz deve ser interpretado, a nosso ver, de maneira ordinária, no sentido de “dar bons resultados”.
Em suma, o serviço público adequado e eficaz é aquele serviço que dá bons resultados, conforme as necessidades do consumidor. Para usar a expressão consagrada por Cláudia Lima Marques que atenda a sua legítima expectativa[7].




[1]  CALADO, Vinicius de Negreiros. Manual Básico de Direito do Consumidor. Recife: IPEDIC, 2005. p. 23-31.
[2]  Recall consiste na prática dos fornecedores em avisar aos consumidores acerca de vícios encontrados nos produtos de uma mesma série (o exemplo mais comum é com veículos) de modo que o consumidor dirija-se ao fornecedor para que este possa saná-los antes que ocorram problemas (acidentes de consumo).
[3]  Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde, com sede em Recife/PE.
[4]  NUNES. Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 123.
[5]  “Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”
[6]  CAPELLETI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 71.
[7]  MARQUES. Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 1998.

Alunos de Direito do Consumidor 2015.1

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