quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Responsabilidade do fornecedor - assalto em drive-thru


No final de 2018 o STJ decidiu que há dever de indenizar em decorrência de assaltos em lanchonetes que se utilizam do serviço de drive-thru, como ocorre nos assaltos em estacionamentos e a rede de restaurantes, pois assume o fornecedor “o dever implícito de lealdade e segurança em qualquer relação contratual, como incidência concreta do princípio da confiança (inteligência da Súm. 130 do STJ)”:

RESPONSABILIDADE CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. ASSALTO À MÃO ARMADA EM DRIVE-THRU DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL. FORTUITO INTERNO.
FATO DO SERVIÇO. RELAÇÃO DE CONSUMO. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. 1. O drive-thru, em linhas gerais, é a forma de atendimento ou de serviço diferenciado de fornecimento de mercadorias em que o estabelecimento comercial disponibiliza aos seus clientes a opção de aquisição de produtos sem que tenham que sair do automóvel. O consumidor é atendido e servido ao "passar" com o veículo pelo restaurante, mais precisamente em área contígua à loja.
2. Assim como ocorre nos assaltos em estacionamentos, a rede de restaurantes, ao disponibilizar o serviço de drive-thru em troca dos benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores, assumiu o dever implícito de lealdade e segurança em qualquer relação contratual, como incidência concreta do princípio da confiança (inteligência da Súm. 130 do STJ). 3. Ao estender a sua atividade para a modalidade drive-thru, a lanchonete buscou, no espectro da atividade econômica, aumentar os seus ganhos e proventos, pois, por meio do novo serviço, ampliou o acesso aos seus produtos e serviços, facilitou a compra e venda, aumentou as suas receitas, perfazendo um diferencial competitivo para atrair e fidelizar ainda mais a sua clientela. Por conseguinte, chamou para si o ônus de fornecer a segurança legitimamente esperada em razão dessa nova atividade.
4. De fato, dentro do seu poder de livremente contratar e oferecer diversos tipos de serviços, ao agregar a forma de venda pelo drive-thru ao empreendimento, acabou por incrementar, de alguma forma, o risco à sua atividade, notadamente por instigar os consumidores a efetuar o consumo de seus produtos de dentro do veículo, em área contígua ao estabelecimento, deixando-os, por outro lado, mais expostos e vulneráveis a intercorrências como a dos autos.
5. Aliás, o sistema drive thru não é apenas uma comodidade adicional ou um fator a mais de atração de clientela. É, sim, um elemento essencial de viabilidade da atividade empresarial exercida, sendo o modus operandi do serviço, no qual o cliente, em seu veículo, aguarda por atendimento da empresa.
6. Ademais, configurada a responsabilização da fornecedora em razão da própria publicidade veiculada, em que se constata a promessa de segurança de seus clientes.
7. Na hipótese, diante de tais circunstâncias trazidas aos autos, verifica-se que o serviço disponibilizado foi inadequado e ineficiente, não havendo falar em caso fortuito ou força maior, mas sim em fortuito interno, porquanto incidente na proteção dos riscos esperados da atividade empresarial desenvolvida e na frustração da legítima expectativa de segurança do consumidor-médio, concretizando-se o nexo de imputação na frustração da confiança a que fora induzido o cliente. O fornecedor, por sua vez, pelo que consta dos autos, não demonstrou ter adotado todas as medidas, dentro de seu alcance, para inibir, dificultar ou impedir o ocorrido na área reservada ao circuito drive-thru tampouco comprovou que o evento tenha se dado em outra área sobre a qual não tenha ingerência.
8. Recurso especial não provido.
(REsp 1450434/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/09/2018, DJe 09/11/2018)

E a ementa completa da decisão contida no informativo 613 do STJ é a seguinte:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. LANCHONETE. ROUBO EM ESTACIONAMENTO GRATUITO, EXTERNO E DE LIVRE ACESSO. EMPREGO DE ARMA DE FOGO. CASO FORTUITO EXTERNO. SÚMULA Nº 130/STJ. INAPLICABILIDADE. RISCO ESTRANHO À NATUREZA DO SERVIÇO PRESTADO. AUSÊNCIA DE LEGÍTIMA EXPECTATIVA DE SEGURANÇA. 1. O Superior Tribunal de Justiça, conferindo interpretação extensiva à Súmula n° 130/STJ, entende que estabelecimentos comerciais, tais como grandes shoppings centers e hipermercados, ao oferecerem estacionamento, ainda que gratuito, respondem pelos assaltos à mão armada praticados contra os clientes quando, apesar de o estacionamento não ser inerente à natureza do serviço prestado, gera legítima expectativa de segurança ao cliente em troca dos benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores. 2. Nos casos em que o estacionamento representa mera comodidade, sendo área aberta, gratuita e de livre acesso por todos, o estabelecimento comercial não pode ser responsabilizado por roubo à mão armada, fato de terceiro que exclui a responsabilidade, por se tratar de fortuito externo. 3. Embargos de divergência não providos. (EREsp 1431606/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/03/2019, DJe 02/05/2019)

Como os EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA tem a finalidade de uniformizar a jurisprudência interna (do STJ no caso), este último dever ser o entendimento a ser seguido, ressalvado seguinte (cf. íntegra do acórdão): "é fato incontroverso que o estacionamento era vigiado por agentes da ré (cf. fls. 5, 136), era gratuito, de fácil acesso e o bem foi subtraído diretamente dos proprietários mediante ameaça com emprego de arma de fogo". Já o julgado que mencionei antes (REsp 1450434/SP) consta: "O fornecedor, por sua vez, pelo que consta dos autos, não demonstrou ter adotado todas as medidas, dentro de seu alcance, para inibir, dificultar ou impedir o ocorrido na área reservada ao circuito drive-thru tampouco comprovou que o evento tenha se dado em outra área sobre a qual não tenha ingerência." Ou seja, pode ter havido uma distinção (distinguishing) no caso, se comparado com o paradigma utilizado no ERESP. Ou seja, persiste a polêmica quanto a questão, dada a circunstância fática de fundo.