O
professor FACHIN destaca que “determinados
fatos se impõem perante o direito”, e neste sentido há uma força construtiva
dos fatos. Ou
seja, o direito é forçado a reconhecer os fatos sociais, rompendo com as
estruturas e o pensamento dominante.
Muitos
ainda vêem com espanto e estranheza a decisão do STF sobre o casamento
homossexual, mesmo já tendo sido proferida decisão no estado de Pernambuco, pelo
Dr. Clícerio Bezerra.
Outrossim,
há recente decisão do STF, datada de 26.08.2011, sobre o tema (grifos nossos):
E M E N T A:
UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO - ALTA
RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE ÀS UNIÕES
HOMOAFETIVAS - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO RECONHECIMENTO E
QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR: POSIÇÃO
CONSAGRADA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADPF 132/RJ E ADI
4.277/DF) - O AFETO COMO VALOR
JURÍDICO IMPREGNADO DE NATUREZA CONSTITUCIONAL: A VALORIZAÇÃO DESSE
NOVO PARADIGMA COMO NÚCLEO CONFORMADOR DO CONCEITO DE FAMÍLIA - O DIREITO À
BUSCA DA FELICIDADE, VERDADEIRO POSTULADO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO E EXPRESSÃO
DE UMA IDÉIA-FORÇA QUE DERIVA DO PRINCÍPIO DA ESSENCIAL DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA - ALGUNS PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DA SUPREMA CORTE
AMERICANA SOBRE O DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA FELICIDADE - PRINCÍPIOS DE
YOGYAKARTA (2006): DIREITO DE QUALQUER PESSOA DE CONSTITUIR FAMÍLIA,
INDEPENDENTEMENTE DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU IDENTIDADE DE GÊNERO - DIREITO DO
COMPANHEIRO, NA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA, À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO DA PENSÃO
POR MORTE DE SEU PARCEIRO, DESDE QUE OBSERVADOS OS REQUISITOS DO ART. 1.723 DO
CÓDIGO CIVIL - O ART. 226, § 3º, DA LEI FUNDAMENTAL CONSTITUI TÍPICA NORMA DE
INCLUSÃO - A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO - A PROTEÇÃO DAS MINORIAS ANALISADA NA PERSPECTIVA DE
UMA CONCEPÇÃO MATERIAL DE DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL - O DEVER CONSTITUCIONAL DO
ESTADO DE IMPEDIR (E, ATÉ MESMO, DE PUNIR) “QUALQUER DISCRIMINAÇÃO ATENTATÓRIA
DOS DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS” (CF, ART. 5º, XLI) - A FORÇA NORMATIVA
DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O FORTALECIMENTO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL:
ELEMENTOS QUE COMPÕEM O MARCO DOUTRINÁRIO QUE CONFERE SUPORTE TEÓRICO AO
NEOCONSTITUCIONALISMO - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. NINGUÉM PODE SER PRIVADO
DE SEUS DIREITOS EM RAZÃO
DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL. - Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem
sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação
sexual. Os homossexuais, por tal razão, têm direito de receber a igual proteção
tanto das leis quanto do sistema político-jurídico instituído pela Constituição
da República, mostrando-se arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que puna,
que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância, que estimule o
desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação sexual.
RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR. - O
Supremo Tribunal Federal - apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e
invocando princípios essenciais (como os da dignidade da pessoa humana, da
liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da
não discriminação e da busca da felicidade) - reconhece assistir, a qualquer
pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado, por isso
mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade
familiar, atribuindo-lhe, em conseqüência, verdadeiro estatuto de cidadania, em
ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais,
relevantes conseqüências no plano do Direito, notadamente no campo
previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares. - A
extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união
estável entre pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se pela direta
incidência, dentre outros, dos princípios constitucionais da igualdade, da
liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional
implícito que consagra o direito à busca da felicidade, os quais configuram,
numa estrita dimensão que privilegia o sentido de inclusão decorrente da
própria Constituição da República (art. 1º, III, e art. 3º, IV), fundamentos
autônomos e suficientes aptos a conferir suporte legitimador à qualificação das
conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo como espécie do gênero entidade
familiar. - Toda pessoa tem o direito fundamental de constituir família,
independentemente de sua orientação sexual ou de identidade de gênero. A família resultante da união
homoafetiva não pode sofrer discriminação, cabendo-lhe os mesmos direitos,
prerrogativas, benefícios e obrigações que se mostrem acessíveis a parceiros de
sexo distinto que integrem uniões heteroafetivas. A DIMENSÃO
CONSTITUCIONAL DO AFETO COMO UM DOS FUNDAMENTOS DA FAMÍLIA MODERNA. - O
reconhecimento do afeto como valor jurídico impregnado de natureza
constitucional: um novo paradigma que informa e inspira a formulação do próprio
conceito de família. Doutrina. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E BUSCA DA
FELICIDADE. - O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa -
considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) -
significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e
inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País, traduz, de
modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem
republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional
positivo. Doutrina. - O princípio constitucional da busca da felicidade, que
decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade
da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo
e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria
teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja
ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e
franquias individuais. - Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer
exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional
implícito, que se qualifica como expressão de uma idéia-força que deriva do
princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do Supremo
Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. Positivação desse princípio no
plano do direito comparado. A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL E A PROTEÇÃO DAS MINORIAS. - A
proteção das minorias e dos grupos vulneráveis qualifica-se como fundamento
imprescindível à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito. -
Incumbe, por isso mesmo, ao Supremo Tribunal Federal, em sua condição
institucional de guarda da Constituição (o que lhe confere “o monopólio da
última palavra” em matéria de interpretação constitucional), desempenhar função
contramajoritária, em ordem a dispensar efetiva proteção às minorias contra
eventuais excessos (ou omissões) da maioria, eis que ninguém se sobrepõe, nem
mesmo os grupos majoritários, à autoridade hierárquico-normativa e aos
princípios superiores consagrados na Lei Fundamental do Estado. Precedentes.
Doutrina.
(RE 477554 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE
MELLO, Segunda Turma, julgado em 16/08/2011, DJe-164 DIVULG 25-08-2011 PUBLIC
26-08-2011 EMENT VOL-02574-02 PP-00287)
Nesse
sentido, consolida-se o entendimento da professora Maria Berenice Dias:
A HOMOSSEXUALIDADE NA JUSTIÇA
Diante do silêncio do legislador, é a jurisprudência
a mais importante ferramenta para assegurar a homossexuais e transexuais o
exercício de cidadania.
Os avanços são muitos, mas é enorme a dificuldade de
acesso aos julgados que sinalizam os progressos que o direito à livre
orientação sexual vem alcançando na Justiça.
Daí a necessidade de formar uma grande rede de
informações e disponibilizar as vitórias já obtidas pela população LGBT.
Com certeza este é um compromisso de todos que
acreditam na necessidade de contruir o direito homoafetivo como um novo ramo do
Direito.
Mas, é indispensável coragem de ousar, única forma de
consolidar conquistas.
Maria Berenice Dias
O
visionário professor FACHIN já anunciava (na década passada) o fim de uma dogmática
tradicional que funcionava como clausura do pensamento jurídico e ocasionava
situações de pré-ruptura:
Clara premissa que instiga a possibilidade de
reconhecer que o reinado secular de dogmas, que engrossaram páginas de manuais
e que engessaram parcela significativa do Direito Civil, começa a ruir.
Assim,
este sistema em ruínas é minado pela principiologia dos direitos fundamentais
cujo núcleo deôntico não pode ser
reduzido. As demandas da sociedade pautadas nessa forte carga axiológica
traduzem-se em mudanças.
Nas palavras de FACHIN:
Mirada na sociedade contemporânea, acolhe como motivação
a não reprodução de saberes, no intercâmbio e na independência de novas fontes
de investigação. Na complexidade, esse fenômeno apresenta, neste momento, um
interessante banco de prova que se abre em afazeres epistemológicos que acolhem
as novas demandas da juridicidade, ao lado da recuperação discursiva de valores
como ética e justiça.
Contextualizando,
verifica-se que a decisão do STF antes transcrita (RE 477554 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO,
Segunda Turma, julgado em 16/08/2011, DJe-164 DIVULG 25-08-2011 PUBLIC
26-08-2011 EMENT VOL-02574-02 PP-00287) é pautada em princípios
constitucionais e valores fundantes da República.
Desta feita, o pensar crítico (e divergente)
pode (e deverá) causar certo espanto, pois, justamente, foge ao senso comum.