quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Uma decisão exemplar!

Prezados amigos e amigas,

Compartilho com vocês uma bela decisão de nosso TJPE, pautada nos princípios Constitucionais fundamentais, visando o melhor interesse de uma criança (e de sua família), sobrepondo-o a burocracia administrativa exacerbada que, coisificada e indiferente, não vê o outro e não se vê no outro.

A decisão é fruto de trabalho conjunto de todos os profissionais que fazem a Defensoria do Simepe, quadro que faço parte juntamente com José Diógenes Souza Jr., Diego Galdino, Ricardo Santos, Luíza Coelho e Marinara Sena.

A decisão possibilitará que toda a família da criança, unida e dedicada, ajude-a a atingir sua plenitude como pessoa.

Espero que a decisão possa influenciar outras e que possamos, cada um colaborando como pode, ajudar a mudar a visão de mundo que apequena o ser humano.

Parabéns ao Des. José Ivo de Paula Guimarães pelo voto condutor com uma visão humanista do Direito.

Tive o cuidado de anonimizar a decisão, retirando os dados das partes que possibilitariam a sua localização (mas o feito é público).
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Agravo de Instrumento (omissis)
Comarca : Recife 
Vara : 4ª Vara da Fazenda Publica
Agravte : omissis
Advog : VINICIUS DE NEGREIROS CALADO E OUTROS
Agravdo : omissis - Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco
Orgao Julgador : 2ª Câmara de Direito Publico
Relator : Des. Jose Ivo de Paula Guimaraes 
Julgado em : 23/10/2014

EMENTA: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO - SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL - REMOÇÃO POR MOTIVO DE SAÚDE DO FILHO MENOR (AUTISTA). CABIMENTO. RECURSO PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.

1. A agravante é medica servidora efetiva do Estado de Pernambuco, estando atualmente lotada no (omissis). Porém, seu filho de 03 (três) anos é portador de enfermidade psíquica denominada Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), conforme laudos médicos de fls. 44/69.
2. De acordo com os referidos laudos, e necessário para o melhor desenvolvimento cognitivo social e de linguagem que a referida criança tenha acompanhamento em tempo integral de sua genitora e/ou de seus familiares.
3. No entanto seu núcleo familiar está no município de Sertânia/PE, sendo de grande importância para o desenvolvimento do menor que sua genitora, ora agravante, fosse removida para a referida cidade.
4. Entende-se que é necessário à presença da genitora para que o menor tenha um melhor desenvolvimento, que além de ter tenra idade, apresenta problemas de saúde. Uma vez que o local de trabalho da agravante no Estado de Pernambuco, ser distante de sua residência para que a mesma possa acompanhá-lo nas atividades em campo de seu tratamento.
5. A remoção da agravante é mais que necessária por questões de saúde do dependente, pois sua presença é prioridade assim como dos demais familiares, sendo ela imprescindível para superação dos distúrbios.
6. Portanto, o Poder Público tem o dever de assegurar a todos proteção a saúde, bem jurídico constitucionalmente tutelado e consectário logico do direito a vida, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue, mormente na qualidade do empregador.
7. Por estes motivos, resta caracterizada a necessidade de remoção da agravante, independentemente do interesse da Administração, inclusive como forma de manter a unidade do grupo familiar e proteção da criança e do adolescente, entidades protegidas constitucionalmente, no que se faz pelo bem do menor a fim de garantir-lhe condições de vida mais saudáveis e dignas.
8. O Estado de Pernambuco, no que diz respeito à condição de haver médico para a sua substituição, não demonstrou, até o momento, interesse em concretizar tal condição.
9. Recurso provido, por unanimidade.

ACORDAO Vistos, relatados e discutidos estes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO N° (omissis), sendo Agravante omissis e Agravada omissis - Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco. Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores componentes da 2ª Câmara de Direito Publico do Tribunal de Justiça de Pernambuco, na sessão realizada no dia 23/10/2014, sem divergência de votos, dar provimento ao Agravo de Instrumento, na conformidade do relatório e voto constantes que passam a integrar o presente julgado. Recife, 23/10/2014. Des. Jose Ivo de Paula Guimaraes Relator

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Matéria Especial do STJ sobre desconsideração da personalidade jurídica


Desconsideração da personalidade jurídica: proteção com cautela
A distinção entre pessoa jurídica e física surgiu para resguardar bens pessoais de empresários e sócios em caso da falência da empresa. Isso permitiu mais segurança em investimentos de grande envergadura e é essencial para a atividade econômica. Porém, em muitos casos, abusa-se dessa proteção para lesar credores. A resposta judicial a esse fato é a desconsideração da personalidade jurídica, que permite superar a separação entre os bens da empresa e dos seus sócios para efeito de determinar obrigações.
A ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conta que a técnica jurídica surgiu na Inglaterra e chegou ao Brasil no final dos anos 60, especialmente com os trabalhos do jurista e professor Rubens Requião. “Hoje ela é incorporada ao nosso ordenamento jurídico, inicialmente pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e no novo Código Civil (CC), e também nas Leis de Infrações à Ordem Econômica (8.884/94) e do Meio Ambiente (9.605/98)”, informou. A ministra adicionou que o STJ é pioneiro na consolidação da jurisprudência sobre o tema.
Um exemplo é o recurso especial (REsp) 693.235, relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, no qual a desconsideração foi negada. No processo, foi pedida a arrecadação dos bens da massa falida de uma empresa e também dos bens dos sócios da empresa controladora. Entretanto, o ministro Salomão considerou que não houve indícios de fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial, requisitos essenciais para superar a personalidade jurídica, segundo o artigo 50 do CC, que segue a chamada “teoria maior”.
Segundo Ana de Oliveira Frazão, advogada, professora da Universidade de Brasília (UnB) e especialista no tema, hoje há duas teorias para aplicação da desconsideração. A maior se baseia no antigo Código Civil e tem exigências maiores. Já na teoria menor, com base na legislação ambiental e da ordem econômica, o dano a ser reparado pode ter sido apenas culposo, bastando a insolvência da empresa.
“Acho a teoria menor muito drástica, pois implica a completa negação da personalidade jurídica. Todavia, entendo que pequenos credores, como consumidores, e credores involuntários, como os afetados por danos ambientais, merecem tutela diferenciada”, opina a professora.
Teoria menor
Um exemplo da aplicação da teoria menor em questões ambientais foi o voto do ministro Herman Benjamin no REsp 1.071.741. No caso, houve construção irregular no Parque Estadual de Jacupiranga, no estado de São Paulo. A Segunda Turma do STJ considerou haver responsabilidade solidária do Estado pela falha em fiscalizar.
Entretanto, a execução contra entes estatais seria subsidiária, ou seja, o estado só arcaria com os danos se o responsável pela degradação ecológica não quitasse a obrigação. O ministro relator ponderou que seria legal ação de regresso que usasse a desconsideração caso o responsável pela edificação não apresentasse patrimônio suficiente para reparar o dano ao parque.
Outro julgado exemplar da aplicação da teoria menor foi o REsp 279.273, julgado pela Terceira Turma do STJ. Houve pedido de indenização para as vítimas da explosão do Shopping Osasco Plaza, ocorrida em 1996. Com a alegação de não poder arcar com as reparações e não ter responsabilidade direta, a administradora do centro comercial se negava a pagar.
O relator do recurso, ministro Ari Pargendler, asseverou que, pelo artigo 28 do CDC, a personalidade jurídica pode ser desconsiderada se há abuso de direito e ato ilícito. No caso não houve ilícito, mas o relator afirmou que o mesmo artigo estabelece que a personalidade jurídica também pode ser desconsiderada se esta é um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
Cota social
Entre as teses consolidadas na jurisprudência do STJ está a aplicada no REsp 1.169.175, no qual a Terceira Turma, seguindo voto do ministro Massami Uyeda, decidiu que a execução contra sócio de empresa que teve sua personalidade jurídica desconsiderada não pode ser limitada à sua cota social. No caso, um professor sofreu queimaduras de segundo grau nos braços e pernas após explosão em parque aquático.
A empresa foi condenada a pagar indenização de R$ 20 mil, mas a vítima não recebeu. A personalidade da empresa foi desconsiderada e a execução foi redirecionada a um dos sócios. O ministro Uyeda afirmou que, após a desconsideração, não há restrição legal para o montante da execução.
Desconsideração inversa
Pessoas físicas também tentam usar pessoas jurídicas para escapar de suas obrigações. No REsp 948.117, um devedor se valeu de empresa de sua propriedade para evitar execução. Para a relatora, ministra Nancy Andrighi, seria evidente a confusão patrimonial e aplicável a “desconsideração inversa”. A ministra ressalvou que esse tipo de medida é excepcional, exigindo que se atendam os requisitos do artigo 50 do CC.
Empresa controladora
Outro exemplo de aplicação da desconsideração da personalidade foi dado no REsp 1.141.447, relatado pelo ministro Sidnei Beneti, da Terceira Turma do STJ. No caso, desconsiderou-se a personalidade jurídica da empresa controladora para poder penhorar bens de forma a quitar débitos da sua controlada.
O credor não conseguiu encontrar bens penhoráveis da devedora (a empresa controlada), entretanto a empresa controladora teria bens para quitar o débito. Para o ministro Beneti, o fato de os bens da empresa executada terem sido postos em nome de outra, por si só, indicaria malícia, pois estariam sendo desenvolvidas atividades de monta por intermédio de uma empresa com parco patrimônio.
Entretanto, na opinião de vários juristas e magistrados, a desconsideração não pode ser vista como panaceia e pode se tornar uma faca de dois gumes. A professora Ana Frazão opina que, se, por um lado, aumenta a proteção de consumidores, por outro, há o risco de desestimular grandes investimentos. Esse posicionamento é compartilhado por juristas como Alfredo de Assis Gonçalves, advogado e professor aposentado da Universidade Federal do Paraná, que teme já haver uso indiscriminado da desconsideração pelos tribunais.
A ministra Nancy Andrighi, entretanto, acredita que, no geral, os tribunais têm aplicado bem essa técnica. Ela alertou que criminosos buscam constantemente novos artifícios para burlar a legislação. “O que de início pode parecer exagero ou abuso de tribunais na interpretação da lei, logo se mostra uma inovação necessária”, declarou.
Fraudes e limites
A ministra do STJ dá como exemplo um recente processo relatado por ela, o REsp 1.259.018. A principal questão no julgado é a possibilidade da extensão dos efeitos da falência a empresas coligadas para reparar credores. A ministra Nancy apontou que haveria claros sinais de fraude, com transferência de bens entre as pessoas jurídicas coligadas e encerramento das empresas com dívidas. Para a ministra, os claros sinais de conluio para prejudicar os credores autorizaria a desconsideração da personalidade das empresas coligadas e a extensão dos efeitos da falência.
Impor limites ao uso da desconsideração também é preocupação constante de outros magistrados do STJ, como manifestado pelo ministro Massami Uyeda em outro processo. No REsp 1.080.682, a Caixa Econômica Federal, por meio da desconsideração, tentou cancelar a transferência de imóvel para pessoa jurídica em processo de falência.
O bem pertencia ao ex-administrador da empresa falimentar e, segundo a Caixa, seria uma tentativa de mascarar sua verdadeira propriedade. Contudo, o ministro Uyeda apontou que a transferência do imóvel ocorreu mais de um ano antes da tentativa de penhora. Além disso, naquele momento, o proprietário do imóvel não administrava mais a empresa.