Prezados alunos de Direito do Consumidor,
Segue texto de apoio sobre os direito básicos dos consumidores, extraído do meu livro de 2005 (CALADO, Vinicius de Negreiros. Manual Básico de Direito do Consumidor. Recife: IPEDIC, 2005. p. 23-31).
3. DIREITOS BÁSICOS
DO CONSUMIDOR
Os direitos dos
consumidores não são apenas aqueles que se encontram contidos nos art. 6º e 7º
do CDC, aqueles são os chamados direitos básicos ou fundamentais. Para se ter
uma noção dos direitos do consumidor é preciso que se faça uma interpretação
conforme a Constituição da República e se mergulhe em sua principiologia, o que
tentamos fazer linhas atrás. Assim, antes do operador do direito se debruçar
sobre os art. 6º e 7º do CDC é condição sine qua non que tenha em mente
estes pressupostos.
3.1. Proteção à vida, saúde e segurança
É dever do Estado
proteger efetivamente o consumidor (art. 4º, II), principalmente no que tange
ao bem maior da pessoa humana que é a vida, seguido pela sua incolumidade
física.
Neste sentido o
arsenal estatal deve estar apto para expurgar do mercado de consumo os produtos
e serviços que não oferecem a segurança necessária ao consumidor, podendo,
ainda que potencialmente, trazer riscos de dano ao mesmo.
Trabalho exemplar
realiza o INMETRO na análise de produtos e serviços, recomendando adequações e
sugerindo a retirada do mercado quando eventuais “problemas” não são sanados.
Este dever
(decorrente do direito à proteção) não é apenas estatal, pertence também aos
fornecedores, pois eles não devem medir esforços para colocar no mercado de
consumo produtos e serviços seguros e eficientes. E quando há a percepção de
que um produto já colocado no mercado não oferece a segurança que dele se
espera deve o fornecedor diligenciar no sentido de sanar o problema como, por
exemplo, no caso de chamados recalls[2].
3.2. Educação para consumo
Em
virtude da posição vulnerável do consumidor face às grandes corporações que
investem maciçamente em técnicas de comercialização e divulgação de seus
produtos e serviços (marketing) o legislador cuidou de estabelecer uma regra
que determinasse a sua conscientização, numa clara proteção ao consumismo
exacerbado e inconseqüente, e ainda assegurou a liberdade de escolha e igualdade
– ambas de fundamento constitucional (art. 6º, II).
Neste sentido é
importante registrar o trabalho realizado pelo DPDC/SDE/MJ (Departamento de
Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico do
Ministério da Justiça) e os projetos de educação para o consumo aprovados junto
ao CFDD (Conselho Gestor do Fundo Federal de Direitos Difusos), com alguns
exemplos, inclusive em Recife, como o “Saúde em Destaque” e “a Voz do
Cidadão”, ambos da Aduseps[3] e
patrocinados pelo FDD.
3.3. Direito à informação
O direito à
informação é um dos pilares do tripé que sustenta todo o harmônico sistema de
proteção e defesa do consumidor. Para Rizzatto[4] é
ele principio fundamental do CDC.
A importância da
informação para o consumidor é de uma grandiosidade tremenda, pois apenas
diante do conhecimento preciso acerca de produtos e serviços poderá o
consumidor tomar uma decisão acertada, podendo inclusive deixar de consumir um
produto ou serviço em face de alguma característica específica do mesmo, que,
casuisticamente, para outro consumidor pouco importaria.
Sendo o direito à
informação um pilar do CDC, como já nos referimos, ele está inserido não só no
art. 6º, III, mas também nos artigos 31, 46 e 52.
No art. 6º, III a
norma disciplina o direito à informação sobre os produtos e serviços colocados
no mercado de consumo, afirmando que esta deve ser adequada e clara. A adequação da informação deve ser
compreendida como sendo aquela que seja apropriada para o produto ou serviço
conforme as suas próprias características particulares.
Digamos, por exemplo,
que alguém adquira um ferro elétrico numa promoção. Ao chegar em casa e abrir a
caixa do produto constata que, da leitura manual, o produto só funciona com
tensão de 110 V, sendo a tensão em Pernambuco, onde foi comprado o produto, de
220 V. Ora, se a informação estivesse contida no exterior da caixa o consumidor
não teria sequer adquirido o bem, pois para sua utilização teria que comprar um
transformador.
Logo, este tipo de
informação é essencial para que o consumidor exerça seu poder de escolha e
possa consumir conscientemente.
Quanto à clareza da
informação o legislador preocupou-se como a linguagem a ser utilizada, que deve
ser acessível ao consumidor, devendo-se evitar uma linguagem excessivamente técnica.
Como por exemplo, fazer constar no rótulo de um produto que ele é ignígeno, ao
invés de inflamável (são sinônimos, mas a palavra ignígeno é pouco usual e o
cidadão médio desconhece o significado da palavra).
O terceiro componente
do inciso III do art. 6º é a especificação correta de quantidade,
características, composição, qualidade e preço, ou seja, à clareza e adequação
da informação deve somar-se a especificação correta dos elementos essenciais do
produto ou serviço.
O quarto e último
componente do comando normativo diz respeito aos riscos que os produtos ou
serviços podem apresentar, de modo a advertir o consumidor para os cuidados
necessários à sua utilização ou fruição.
Assim, o xampu para
crianças (característica específica) que irrite os olhos deve constar tal
advertência ostensivamente, como também os produtos inflamáveis, os que não
podem ser expostos ao calor, etc.
Adiante examinaremos
os artigos 31, 46 e 52, como também a responsabilidade civil por violação do
dever de informar.
3.4. Proteção contra práticas desleais
O direito de proteção
contra práticas comerciais desleais decorre do princípio da boa-fé, onde as
partes ao contratar o fazem sem nenhuma intenção de lesar a outra, seja
intencionalmente (boa-fé subjetiva), seja por desconhecimento (boa-fé
objetiva).
A norma programática
e principiológica do art. 6.º, IV do CDC é esmiuçada em capítulos posteriores
quando o código trata das práticas comerciais e cláusulas abusivas.
Neste momento é
preciso compreender que o consumidor tem direito de não ser ludibriado por
“jogadas” de marketing (art. 37) ou por imposições de situações desagradáveis
de que o exponham, fazendo-o adquirir produtos ou serviços (art. 39).
E ainda tem direito
de proteção contra cláusulas abusivas ou impostas (art. 51), sendo esta
proteção tal que as cláusulas abusivas são nulas de pleno direito e para sua
declaração o juiz pode (e deve) agir de ofício ainda que não instado pela
parte, e em qualquer grau jurisdição, dada a natureza de ordem pública da
norma.
3.5. Modificação de cláusulas
Este direito é
complemento ao direito de proteção contra cláusulas abusivas, pois muitas vezes
o consumidor deseja, quer e precisa contratar, ou continuar contratando (como
nos casos de contratos de trato sucessivo e ou de longa duração), e a simples
declaração/reconhecimento da abusividade de uma cláusula não poria fim ao
problema, sendo necessário que o magistrado pudesse intervir no contrato, de
modo a modificar as cláusulas que estivessem desproporcionais ao proveito
econômico do consumidor ou as revisasse em caso de ônus excessivo. Tal fato é
hoje causa de resolução de contrato, conforme o art. 478[5] do
CC/2002, numa nítida inspiração do princípio consumerista para as relações
jurídicas cíveis.
3.6. Prevenção e reparação de danos
O consumidor em face
de sua posição vulnerável tem o direito não só à reparação dos danos que
eventualmente lhe sejam causados, como também, e principalmente, de não sofrer
qualquer dano por causa de produtos ou serviços ofertados no mercado de
consumo.
Assim, tal regra traz
implicitamente uma outra que permite o manuseio da instrumentalidade do
processo para efetivamente prevenir um dano – cautelar ou antecipadamente no
feito – de modo que o consumidor não sofra uma lesão no seu patrimônio
(econômico ou moral).
Ou seja, o direito
material contido no art. 6º, VI permite que o julgador, ao decidir, atue
preventivamente evitando que a lesão ocorra e não deixando que a mesma ocorra
para que o consumidor seja, num posterior momento, indenizado.
Na verdade, há clara
intenção de adaptação do processo civil para a relação de consumo, dando-lhe
mais dinamismo[6].
3.7. Acesso à justiça
O direito de acesso à
justiça parece algo muito claro e, numa rápida análise, passariam despercebidas
as dificuldades do consumidor em ingressar em juízo.
Judicialmente o
consumidor precisa conhecer os seus direitos (direitos à educação) para, num
segundo momento, reconhecer que está sendo lesado. Como a nossa debutante Lei
ainda é pouco conhecida de grande parcela de nossa população, esforços não
devem ser medidos para que os consumidores conheçam os seus direitos básicos,
inclusive o de acesso à justiça.
Superada está
primeira etapa (reconhecimento do direito) tem-se a questão da tempestividade
do pleito (arts. 26 e 27), pois não aprendemos a exercer nossos direitos
(cidadania) e quando o fazemos podemos nos equivocar.
Realizando
uma abordagem constitucional encontra-remos no caput do art. 5.º da
Constituição o princípio da igualdade e em seu inciso XXXV a garantia de acesso
ao Poder Judiciário, o que, numa interpretação harmônica, estabelece que a
todos é garantido o acesso ao Poder Judiciário.
Contudo
ao se tentar constatar empiricamente esta garantia constitucional (de aplicação
imediata, diga-se an passant –
segundo o parágrafo primeiro do art. LXXVII da CF/88) verifica-se que nem todos
os cidadãos têm condições de exercer este direito.
Estudos
têm demonstrado que os principais “clientes” do Poder Judiciário são as grandes
corporações e o próprio Estado (lato sensu). Assim, estes litigantes
contumazes já têm uma grande vantagem (expertise) sobre os indivíduos
que não estão acostumados ao litígio, seja no tocante ao comportamento em
juízo, seja em relação ao reconhecimento dos seus direitos.
Pessoas
comuns não têm condições materiais de dispor de seu tempo para litigar e
geralmente só procuram o judiciário quando não mais podem suportar os prejuízos
advindos de sua inércia (que serão absurdamente maiores do que o tempo dedicado
à ação).
Em
primeiro lugar o cidadão comum não tem plena consciência do “seu direito”, ele
supõe que teve seu direito violado e procura auxílio. No mais das vezes,
encontrar este auxílio é uma verdadeira via crucis, pois o aparelho do
Estado não está geralmente apto à prestar uma assistência jurídica imediata.
Muitas
vezes os mecanismos e instrumentos processuais existem e simplesmente não são
utilizados, seja pelos advogados ao postular, seja pelos magistrados ao
decidir. E quando isto acontece (o que se dá - infelizmente - na maioria dos
casos) tem-se como resultado a inefetividade do processo e como consequência
uma verdadeira descrença do cidadão comum na “justiça”.
Assim,
o simples acesso ao Poder Judiciário não significa um efetivo acesso à justiça
por parte do cidadão comum, então, para que o processo cumpra sua finalidade
precípua, é preciso que operador do direito esteja consciente dos instrumentos
que poderá utilizar, sendo o Código de Defesa do Consumidor um destes poderosos
instrumentos.
3.8. Serviços públicos de qualidade
Este direito é na
verdade um reflexo nítido e claro dos direitos fundamentais de pessoa humana,
dá guarida e proteção ao consumo dos serviços essenciais que são prestados pelo
Estado, determinando que os mesmos devem ser, além de adequados, eficazes, como
também contínuos, como complementa a norma do art. 22.
A acepção da palavra
adequação deve ser a da ótica do consumidor, ou seja, de conformidade com as
necessidades do mesmo. Já o vocábulo eficaz deve ser interpretado, a nosso ver,
de maneira ordinária, no sentido de “dar bons resultados”.
Em suma, o serviço
público adequado e eficaz é aquele serviço que dá bons resultados, conforme as
necessidades do consumidor. Para usar a expressão consagrada por Cláudia Lima
Marques que atenda a sua legítima expectativa[7].