segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

STJ: Limites ao direito de não saber


O direito de não saber, até mesmo quando expresso pelo paciente, comporta exceções quando conflita com o interesse público, sendo relevante o caso julgado pelo STJ[1] em que um cidadão acionou hospital por ter se sentido abalado ao receber notícia (resultado de exame de modo sigiloso e correto) de era portador do vírus HIV sem ter solicitado. A turma, por maioria, entendeu que o cidadão não teria “o direito subjetivo de não saber que é soropositivo, pois configuraria indevida sobreposição de um direito individual (que, em si não se sustenta, tal como demonstrado) sobre o interesse público, o que, data maxima venia, não se afigura escorreito”, entendendo o voto divergente que “trata-se de indevida invasão na esfera privada do paciente, investigação abusiva da vida alheia, conduta negligente que viola a intimidade, sendo a responsabilidade do hospital objetiva pelos atos de seus prepostos”. 

Segue abaixo a ementa do acórdão e as razões do voto vencido. Muito interessante e acredito que deverá figurar como um leading case para a matéria.

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS DECORRENTES DA REALIZAÇÃO DE EXAME DE HIV NÃO SOLICITADO, POR MEIO DO QUAL O PACIENTE OBTEVE A INFORMAÇÃO DE SER SOROPOSITIVO - VIOLAÇÃO AO DIREITO À INTIMIDADE - NÃO OCORRÊNCIA -  INFORMAÇÃO CORRETA E SIGILOSA SOBRE SEU ESTADO DE SAÚDE - FATO QUE PROPORCIONA AO PACIENTE A PROTEÇÃO A UM DIREITO MAIOR, SOB O ENFOQUE INDIVIDUAL E PÚBLICO - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
I - O direito à intimidade, não é absoluto, aliás, como todo e qualquer direito individual. Na verdade, é de se admitir, excepcionalmente, a tangibilidade ao direito à intimidade, em hipóteses em que esta se revele necessária à preservação de um direito maior, seja sob o prisma individual, seja sob o enfoque do interesse público. Tal exame, é certo, não prescinde, em hipótese alguma, da adoção do princípio da dignidade da pessoa humana, como princípio basilar e norteador do Estado Democrático de Direito, e da razoabilidade, como critério axiológico;
II - Sob o prisma individual, o direito de o indivíduo não saber que é portador do vírus HIV (caso se entenda que este seja um direito seu, decorrente da sua intimidade), sucumbe, é suplantado por um direito maior, qual seja, o direito à vida, o direito à vida com mais saúde, o direito à vida mais longeva e saudável;
III - Mesmo que o indivíduo não tenha interesse ou não queira ter conhecimento sobre a enfermidade que lhe acomete (seja qual for a razão), a informação correta e sigilosa sobre seu estado de saúde dada pelo Hospital ou Laboratório, ainda que de forma involuntária, tal como ocorrera na hipótese dos autos, não tem o condão de afrontar sua intimidade, na medida em que lhe proporciona a proteção a um direito maior;
IV - Não se afigura permitido, tão-pouco razoável que o indivíduo, com o desiderato inequívoco de resguardar sua saúde, após recorrer ao seu médico, que lhe determinou a realização de uma série de exames, vir à juízo aduzir justamente que tinha o direito de não saber que é portador de determinada doença, ainda que o conhecimento desta tenha se dado de forma involuntária. Tal proceder aproxima-se, em muito, da defesa em juízo da própria torpeza, não merecendo, por isso, guarida do Poder Judiciário;
V - No caso dos autos, o exame efetuado pelo Hospital não contém equívoco, o que permite concluir que o abalo psíquico suportado pelo ora recorrente não decorre da conduta do Hospital, mas sim do fato de o recorrente ser portador do vírus HIV, no que o Hospital-recorrido, é certo, não possui qualquer responsabilidade;
VI - Sob o enfoque do interesse público, assinala-se que a opção de o paciente se submeter ou não a um tratamento de combate ao vírus HIV, que, ressalte-se, somente se tornou possível e, certamente, mais eficaz graças ao conhecimento da doença, dado por ato involuntário do Hospital, é de seu exclusivo arbítrio. Entretanto, o comportamento destinado a omitir-se sobre o conhecimento da doença, que, em última análise, gera condutas igualmente omissivas quanto à prevenção e disseminação do vírus HIV, vai de encontro aos anseios sociais;
VII - Num momento em que o Poder Público, por meio de exaustivas campanhas de saúde, incentiva a feitura do exame anti HIV como uma das principais formas de prevenção e controle da disseminação do vírus HIV, tem-se que o comando emanado desta augusta Corte, de repercussão e abrangência nacional, no sentido de que o cidadão teria o direito subjetivo de não saber que é soropositivo, configuraria indevida sobreposição de um direito individual (que, em si não se sustenta, tal como demonstrado) sobre o interesse público, o que, data maxima venia, não se afigura escorreito;
VII - Recurso Especial improvido.
(REsp 1195995/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/03/2011, DJe 06/04/2011)

(VOTO VENCIDO) (MIN. NANCY ANDRIGHI)
     É possível a condenação de hospital ao pagamento de indenização por dano moral a paciente na hipótese de equívoco cometido por preposto do hospital que realizou exame diverso do autorizado, com a consequente descoberta e comunicação de ser o paciente portador do vírus HIV, porque, ainda que a informação não tenha sido divulgada a terceiros, trata-se de indevida invasão na esfera privada do paciente, investigação abusiva da vida alheia, conduta negligente que viola a intimidade, sendo a responsabilidade do hospital objetiva pelos atos de seus prepostos.



[1] REsp 1195995/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/03/2011, DJe 06/04/2011.

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