Estou trabalhando num projeto de livro do CDC comentado, inserindo sempre que possível o posicionamento do STJ e doutrinadores pátrios.
Abaixo segue o comentário ao artigo segundo do Código.
Gostaria da opinião dos amigos quanto a clareza, objetividade e facilidade de compreensão.
Agradeço desde já a atenção!
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física
ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a
consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja
intervindo nas relações de consumo.
Para a
caracterização de relação jurídica de consumo é preciso que seja entabulada uma
relação entre um consumidor e um fornecedor e entre eles sejam negociados
produtos e/ou serviços, além das hipóteses legais de equiparação (Art.
2°,parágrafo único, art. 17 e art. 29). Ou seja, existe uma definição de
consumidor padrão, uma relativa à coletividade que são “todos que estejam
expostos às práticas dos fornecedores no mercado de consumo”[1], outra equiparando as
vítimas de acidentes de consumo que são as pessoas que, mesmo sem ter qualquer
negócio celebrado com os fornecedores, são consideradas consumidoras pelo
simples fato de terem sofrido danos decorrentes da atividade do fornecedor no
mercado de consumo e, por fim, as pessoas expostas às práticas comerciais, cuja
finalidade maior é combater abstratamente as deslealdades dos fornecedores
através de ações coletivas, evitando que os consumidores sofram lesões. Neste
sentido, são considerados consumidores, por exemplo, aqueles que assistem à
peças publicitárias (ofertas) ou estejam negociando contratos de consumo, mesmo
antes da efetiva celebração de qualquer negócio.
Outra
questão de relevo na doutrina e jurisprudência é interpretação do conceito
jurídico de consumidor padrão, o qual tem algumas controvérsias quanto à
interpretação da locução destinatário final. Três são as correntes ou teorias:
a finalista, a maximalista e a finalista mitigada. A finalista é uma
interpretação restritiva a qual não considera consumidor aquele que adquire ou
utiliza o produto/serviço com finalidade econômica ou como insumo, como o
advogado que adquire uma impressora para si e a utiliza como imprimir suas
petições. Já a maximalista é extensiva, pois considera como consumidores todos
aqueles que retiram o bem do mercado, os destinatários fáticos do produto[2]. Por fim, a finalista
mitigada é uma terceira via que vem sendo construída pela jurisprudência a
partir da interpretação harmônica dos princípios do CDC aplicada aos casos
concretos. O Superior Tribunal de Justiça – STJ adota o critério finalista
mitigado[3], também chamado de
finalismo aprofundado[4], onde parte-se da
interpretação finalista e se analisa no caso concreto se há vulnerabilidade do
adquirente para só assim considerá-lo como consumidor, pelo que o STJ “[...] adota
a teoria finalista para o conceito de consumidor, com o abrandamento desta
teoria na medida em que admite a aplicação das normas do CDC a determinados
consumidores profissionais, desde que seja demonstrada a vulnerabilidade
técnica, jurídica ou econômica. [...] (Excertos do REsp 1190139/RS, Rel.
Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2011, DJe
13/12/2011), bem como entende que “[..]
na hipótese em que produto ou serviço são utilizados na cadeia produtiva, e não
há considerável desproporção entre o porte econômico das partes contratantes, o
adquirente não pode ser considerado consumidor e não se aplica o CDC, devendo
eventuais conflitos serem resolvidos com outras regras do Direito das
Obrigações. [...]" (Excertos do REsp 836.823/PR, Rel. Min. SIDNEI BENETI,
Terceira Turma, DJ de 23.8.2010).
Desde
2005[5] defendemos a interpretação
ampliada do conceito de consumidor afirmando que alguns operadores do direito
tendem a prender-se demasiadamente a locução destinatário final e, por vezes,
excluem do conceito de consumidor pessoas naturais ou jurídicas que utilizam
produtos ou serviços adquiridos no mercado de consumo pelo simples fato de
utilizarem os mesmos na consecução de seus objetivos profissionais, o que é um
palmar equívoco.
[1] MIRAGEM, Bruno. p.
88. BENJAMIN, Antônio Herman V; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor, São
Paulo: RT, 2010. p. 87.
[2] BENJAMIN, Antônio
Herman V; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, 2010. p. 85.
[3] Sobre a aplicação ou
não do CDC, vide os seguintes precedentes: REsp 1196951/PI, Rel. Ministro LUIS
FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/02/2012, DJe 09/04/2012; REsp
814.060/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
06/04/2010, DJe 13/04/2010; REsp 932.557/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
QUARTA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 23/02/2012; REsp 782.852/SC, Rel.
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/04/2011, DJe
29/04/2011; REsp 982.492/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 27/09/2011, DJe 17/10/2011; REsp 1155200/DF, Rel. Ministro MASSAMI
UYEDA, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
22/02/2011, DJe 02/03/2011; REsp 1046241/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 12/08/2010, DJe 19/08/2010; AgRg no Ag 961.132/SP,
Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe
05/08/2010.
[4] MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. São
Paulo: RT, 2010. p. 94.
[5] CALADO, Vinicius, Manual Básico de Direito do Consumidor.
Recife: IPEDIC,2005. 2005. p. 22.
Um comentário:
Prezado Vinícius.
Li atentamente a amostra do seu futuro livro, e achei ótima.
O tema, por sí só (Direito do Consumidor) é uma verdadeira "cachaça" - pelo menos, para mim - inclusive até pelo fato de existir profunda interação com o direito envolvido nos planos de saúde - onde procuro atuar sempre que posso. Parabéns e grande abraço. Gláucio Veras
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