segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A consagração do direito à informação como direito fundamental do paciente no Código de Ética Médica


A consagração do direito à informação como direito fundamental do paciente no Código de Ética Médica
(Publicado de modo resumido na Revista Movimento Médico em maio de 2010)

O Código de Ética Médica - CEM1 vigente desde 13 de abril de 2010 trouxe uma nítida preocupação com a autonomia do paciente, contextualizando o exercício da sua vontade com recebimento de informações adequadas e claras, na mesma linha principiológica do Código de Defesa do Consumidor – CDC e das decisões2 do Superior Tribunal de Justiça – STJ.
Nas relações de consumo, e a relação médico-paciente é hoje tida como tal, a acepção de informação ganha contornos principiológicos que a envolvem, fazendo com que este ato (informar) seja complexo e seu sentido seja construído na prática social (contextual). Nas palavras de Cláudia Lima Marques: “nestes momentos informar é mais do que cumprir com o dever anexo de informação: é cooperar e ter cuidado com o parceiro contratual, evitando os danos morais e agindo com lealdade (pois é o fornecedor que detém a informação) e boa fé.”3
Mesmo antes da vigência do novo CEM já havia certo consenso na doutrina de que em qualquer atividade médica deveria-se realizar o dever de informar, documentando-se4, solicitando ao paciente que assinasse um termo de consentimento para a realização do ato onde constem todas as informações prestadas, o assim chamado "termo de consentimento informado" ou “termo de consentimento livre e esclarecido”. No tocante a abrangência do conteúdo informacional na relação médico-paciente, a partir deste direito básico à informação, mesmo os autores de manuais fazem questão de referir-se a peculiar atividade médica: “Ademais, o médico deve sempre cumprir o disposto no art. 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, informando o paciente sobre os procedimentos viáveis, as conseqüências e opções de tratamento, bem como as vantagens e desvantagens dos possíveis tratamentos e medicamentos que lhe serão ministrados.”5 Ou seja, os olhares já estavam voltados para a atividade médica, exigindo dos seus operadores um grau de profissionalismo cada vez mais acurado, e agora irão mais além, dadas as vedações categóricas advindas do novo CEM em seu artigo 22 que veda ao médico “deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte” e em seu artigo 24, que veda-o “deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo”, tendo ainda o paciente o direito de decidir livremente (art. 31), após informação pormenorizada (art. 34).
Esta obrigação de bem informar do médico é justamente o cerne da questão fático-jurídica implicada, pois se liga fortemente a qualidade da interação discursiva entre enunciador (médico) e receptor (paciente). Em outras palavras, se o que foi dito, foi compreendido por quem deveria do modo como o enunciador esperava que fosse. Logo, esta comunicação deve ter instrumentos que permitam a checagem do dito e do compreendido como forma de aferir a conclusão do processo comunicacional, incorrendo o médico em responsabilidade civil acaso exista falha neste processo. Esta também é a lição que vem do professor da Universidade de Évora, Dr. João Vaz Rodrigues, para quem o dever de respeitar o paciente possui tríplice escopo, quais sejam, o de informar, confirmar e, por fim, obter o consentimento6. Relevante para o campo da aplicação prática é a observação de Brunello Stancioli, em sua dissertação de mestrado: “primeiramente, a informação deve ser fornecida, preferencialmente, de forma oral. A oralidade da comunicação, em regra, facilita o entendimento do paciente /.../ É certo que o registro gráfico do consentimento informado deve ser feito (por vários motivos, inclusive para efeitos probatórios), mas o medium comunicativo deve ser, sempre que possível, oral.”7 Dito de outra forma, o uso do instrumento escrito não dispensa o diálogo com o paciente, o que, de fato, ocorre mais frequentemente8, e sendo discursivo o processo que visa a atender a tríplice finalidade do dever (informar, confirmar e obter o consentimento) seria este impossível de ser realizado por simples entrega de documento escrito9, muito menos por formulários10.
Em suma, o CEM agasalhando doutrina e jurisprudência sobra a matéria, consagra o direito fundamental do paciente à informação, trazendo princípios e regras que devem ser observadas pelos médicos nas relações com paciente e familiares, preservando-se assim sua autonomia.
1Resolução CFM nº 1931, de 17 de setembro de 2009.
2AgRg no Ag 818.144/SP e REsp 1051674/RS
3 MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 178-179.
4 “E ainda: não só é importante que o paciente seja clara e ostensivamente informado – consoante preveêm o Código de Ética Médica e o Código do Consumidor – como é também necessário que o médico se documente de ter fornecido aquelas informações.” GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Responsabilidade Médica - as obrigações de meio e de resultado: avaliação, uso e adequação. Curitiba: Juruá, 2004. p. 83.
5 DENSA, Roberta. Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2009. p. 71.
6 RODRIGUES, João Vaz. O consentimento informado para o acto médico no ordenamento jurídico português. Coimbra: Coimbra Editora, 2001. p. 24.
7 STANCIOLI, Brunello Souza. Relação jurídica médico-paciente. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 65.
8 Conforme observação de Matielo: “Seria interessante que todas as autorizações para cirurgias e procedimentos de vulto fossem tomadas por escrito, mas, como é cediço, a regra é que a concordância é verbal.” MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade Civil do Médico. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2001. p.116-117.
9 “O consentimento passou a ser visto por parte de alguns médicos como um mero requisito, um dos documentos para ter um ‘dossier’ clínico bem organizado e rapidamente as administrações hospitalares começaram a redigir formulários nos quais impõem cláusulas que visam proteger a instituição em caso de conflitos judiciários. Mais ainda é prática comum que esses formulários sejam entregues por funcionários administrativos, absolutamente desligados do acto médico, não tendo o paciente a possibilidade de obter informações adequadas sobre o seu conteúdo.” PEREIRA, André Gonçalo Dias. O consentimento informado na relação médico-paciente: estudo de direito civil. Coimbra: Coimbra Editora, 2004. p. 549-550.
10 “Tanto a informação quanto o consentimento devem ser escritos, individualizados e testemunhados. A adoção de formulários é difícil, dadas as peculiaridades de cada caso.” KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. São Paulo: RT, 2001. p. 173

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