A consagração do
direito à informação como direito fundamental do paciente no
Código de Ética Médica
(Publicado de modo resumido na Revista Movimento Médico em maio de 2010)
O
Código
de Ética Médica - CEM1
vigente desde 13 de abril de 2010 trouxe uma nítida preocupação
com a autonomia do paciente, contextualizando o exercício da sua
vontade com recebimento de informações adequadas e claras, na mesma
linha principiológica do Código de Defesa do Consumidor – CDC e
das decisões2
do Superior Tribunal de Justiça – STJ.
Nas
relações de consumo, e a relação médico-paciente é hoje tida
como tal, a acepção de informação ganha contornos
principiológicos que a envolvem, fazendo com que este ato (informar)
seja complexo e seu sentido seja construído na prática social
(contextual). Nas palavras de Cláudia Lima Marques: “nestes
momentos informar é mais do que cumprir com o dever anexo de
informação: é cooperar e ter cuidado com o parceiro contratual,
evitando os danos morais e agindo com lealdade (pois é o fornecedor
que detém a informação) e boa fé.”3
Mesmo
antes da vigência do novo CEM já havia certo consenso na doutrina
de que em qualquer atividade médica deveria-se realizar o dever de
informar, documentando-se4,
solicitando ao paciente que assinasse um termo de consentimento para
a realização do ato onde constem todas as informações prestadas,
o assim chamado "termo de consentimento informado" ou
“termo de consentimento livre e esclarecido”. No
tocante a abrangência do conteúdo informacional na relação
médico-paciente, a partir deste direito básico à informação,
mesmo os autores de manuais fazem questão de referir-se a peculiar
atividade médica: “Ademais,
o médico deve sempre cumprir o disposto no art. 6º, inciso III, do
Código de Defesa do Consumidor, informando o paciente sobre os
procedimentos viáveis, as conseqüências e opções de tratamento,
bem como as vantagens e desvantagens dos possíveis tratamentos e
medicamentos que lhe serão ministrados.”5
Ou
seja, os olhares já estavam voltados para a atividade médica,
exigindo dos seus operadores um grau de profissionalismo cada vez
mais acurado, e agora irão mais além, dadas as vedações
categóricas advindas do novo CEM em seu artigo 22 que veda ao médico
“deixar
de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após
esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de
risco iminente de morte” e
em seu artigo 24, que veda-o “deixar
de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente
sobre sua pessoa ou seu bem estar, bem como exercer sua autoridade
para limitá-lo”,
tendo ainda o paciente o direito de decidir livremente (art. 31),
após informação pormenorizada (art. 34).
Esta
obrigação de bem informar do médico é justamente o cerne da
questão fático-jurídica implicada, pois se liga fortemente a
qualidade da interação discursiva entre enunciador (médico) e
receptor (paciente). Em outras palavras, se o que foi dito, foi
compreendido por quem deveria do modo como o enunciador esperava que
fosse. Logo, esta comunicação deve ter instrumentos que permitam a
checagem do dito e do compreendido como forma de aferir a conclusão
do processo comunicacional, incorrendo o médico em responsabilidade
civil acaso exista falha neste processo. Esta também é a lição
que vem do professor da Universidade de Évora, Dr. João Vaz
Rodrigues, para quem o dever de respeitar o paciente possui tríplice
escopo, quais sejam, o de informar, confirmar e, por fim, obter o
consentimento6.
Relevante
para o campo da aplicação prática é a observação de Brunello
Stancioli, em sua dissertação de mestrado: “primeiramente,
a informação deve ser fornecida, preferencialmente, de forma oral.
A oralidade da comunicação, em regra, facilita o entendimento do
paciente /.../ É certo que o registro
gráfico do consentimento informado deve ser feito (por vários
motivos, inclusive para efeitos probatórios), mas o medium
comunicativo deve ser, sempre que possível, oral.”7
Dito
de outra forma, o uso do instrumento escrito não dispensa o diálogo
com o paciente, o que, de fato, ocorre mais frequentemente8,
e sendo discursivo o processo que visa a atender a tríplice
finalidade do dever (informar, confirmar e obter o consentimento)
seria este impossível de ser realizado por simples entrega de
documento escrito9,
muito menos por formulários10.
Em
suma, o CEM agasalhando doutrina e jurisprudência sobra a matéria,
consagra
o direito fundamental do paciente à informação, trazendo
princípios e regras que devem ser observadas pelos médicos nas
relações com paciente e familiares, preservando-se assim sua
autonomia.
1Resolução
CFM nº 1931, de 17 de setembro de 2009.
2AgRg
no Ag 818.144/SP e REsp 1051674/RS
3
MARQUES,
Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 178-179.
4
“E ainda: não só é importante que o paciente seja clara e
ostensivamente informado – consoante preveêm o Código de Ética
Médica e o Código do Consumidor – como é também necessário
que o médico se documente de ter fornecido aquelas informações.”
GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Responsabilidade
Médica - as obrigações de meio e de resultado: avaliação, uso e
adequação.
Curitiba: Juruá, 2004. p. 83.
6
RODRIGUES,
João Vaz. O
consentimento informado para o acto médico no ordenamento jurídico
português.
Coimbra: Coimbra Editora, 2001. p. 24.
7
STANCIOLI,
Brunello Souza. Relação
jurídica médico-paciente. Belo
Horizonte: Del Rey, 2004. p. 65.
8
Conforme
observação de Matielo: “Seria interessante que todas as
autorizações para cirurgias e procedimentos de vulto fossem
tomadas por escrito, mas, como é cediço, a regra é que a
concordância é verbal.” MATIELO, Fabrício Zamprogna.
Responsabilidade
Civil do Médico. Porto
Alegre: Sagra Luzzatto, 2001. p.116-117.
9
“O consentimento passou a ser visto por parte de alguns médicos
como um mero requisito, um dos documentos para ter um ‘dossier’
clínico bem organizado e rapidamente as administrações
hospitalares começaram a redigir formulários nos quais impõem
cláusulas que visam proteger a instituição em caso de conflitos
judiciários. Mais ainda é prática comum que esses formulários
sejam entregues por funcionários administrativos, absolutamente
desligados do acto médico, não tendo o paciente a possibilidade de
obter informações adequadas sobre o seu conteúdo.” PEREIRA,
André Gonçalo Dias. O
consentimento informado na relação médico-paciente: estudo de
direito civil. Coimbra:
Coimbra Editora, 2004. p. 549-550.
10
“Tanto
a informação quanto o consentimento devem ser escritos,
individualizados e testemunhados. A adoção de formulários é
difícil, dadas as peculiaridades de cada caso.” KFOURI NETO,
Miguel. Responsabilidade
civil do médico.
São Paulo: RT, 2001. p. 173
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